Li outro dia que o homem é o único ser que envenena os alimentos a fim de evitar que sejam comidos por outros seres, para depois ele próprio comer. A propósito, dia 3 de dezembro é o Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos. Oportunidade para raciocinarmos um pouco sobre o tema.
Circula nas redes sociais um vídeo em que um rapaz que se intitula agrônomo defende os agrotóxicos. O documento tenta “provar” que os brasileiros não estão consumindo tanto agrotóxico como divulgado pela mídia. Só que seus argumentos são de uma mediocridade amazônica.
O “agrônomo” sustenta que uma pulverização de agrotóxico num pé de feijão, por exemplo, atinge toda a planta (folhas, caule e vagens). Assim, o veneno não ficaria só no grão, única parte destinada ao consumo humano. Segundo ele, 90% desse veneno vai fora, pois a gente só come o grão. Mesmo assim - continua -, parte do veneno aplicado se perde no ar ou cai no solo. E aquela pequena porção que entra em contato com o grão, efetivamente, é degradada com o passar do tempo.
É de rir. Mas é triste. Porque argumentos medíocres e simplórios assim caem como uma luva nas mentes desinformadas da população brasileira. E convencem.
Vamos raciocinar.
Repetindo o que escrevi na edição passada, os agrotóxicos se dividem em sistêmicos e de contato. Os sistêmicos são aqueles que, quando aplicados, circulam através da seiva (o “sangue” da planta) por todos os tecidos vegetais. Assim, o veneno fica na planta enquanto ela existir. E o veneno que se dispersou no ar será absorvido pelas folhas das plantas, pois esta é a função das folhas: pegar químicos do ar e puxar para dentro da planta; o veneno que caiu no solo é absorvido pelas raízes, pois esta é a função das raízes: pegar químicos do solo e puxar para dentro da planta.
Então o grão do feijão, principal destinatário dos químicos captados pelas raízes e folhas, conserva o veneno dentro dele, em todas as suas moléculas. Não adianta lavar, cozinhar, triturar, resfriar, esquentar, desidratar ou benzer os grãos de feijão antes de comer. Moléculas são partezinhas muito pequenas do grão, e em todas elas haverá veneno. Sempre.
Os agrotóxicos de contato agem na parte externa do vegetal. Assim, para morrer, uma lagarta precisaria ser molhada com veneno ou comer uma folha de feijão úmida de agrotóxico. Em tese, perdem o efeito mais rápido que os sistêmicos. Mas mesmo os de contato penetram na planta através de suas porosidades, raízes e folhas.
Tanto os agrotóxicos sistêmicos como os de contato são lançados no ambiente. A tal degradação pelo tempo não significa que o veneno vá desaparecer. Degradar não é deixar de existir. É apenas mudar a forma da matéria. Venenos são feitos da junção de moléculas. Como um tijolo ou uma porção de leite. Podemos até queimá-los, mas não destruímos suas moléculas e átomos. Eles continuarão na atmosfera. Na água. No Planeta.
Para entender essas coisas não é necessário ser agrônomo; basta só raciocinar um pouco. Não é no curso de Agronomia que se aprende o que estou dizendo; é nas aulas de Química dos ensinos fundamental e médio, com aprofundamento na graduação ou pós dessa área. Um pouco também em Biologia e Física.
Por isso é comum encontrarmos agrônomos que defendem as heresias apresentadas nesse vídeo. Não me refiro a agrônomos que aproveitaram as aulas de química, física e biologia da adolescência, e, como eu, ainda raciocinam. Esses jamais defenderiam os agrotóxicos, tampouco fariam o papel ridículo do tal “agrônomo” do vídeo.
Nem falei dos vegetais transgênicos, que contêm agrotóxico em seu DNA. E aí vem até o Lair Ribeiro, um médico renomado, ensinando lavar os alimentos para “retirar” agrotóxicos. Ora, se o veneno está no DNA! É como lavar o meu sangue para eliminar os traços genéticos de minha mãe, que veio da Letônia, e assim evitar que meus filhos nasçam parecidos comigo e com ela.
Definitivamente, a única defesa contra os impactos destrutivos dos agrotóxicos é não usá-los.
Por Nilton Kasctin dos Santos (Professor e Promotor de Justiça)