A atividade leiteira em nossa região desencadeou um método completamente equivocado de lidar com os bezerros recém-nascidos. E cruel. Para poder ordenhar todo o leite objetivando a comercialização, o produtor retira o terneiro da vaca assim que termina o parto.
Do ponto de vista ético, essa atitude se reveste de uma crueldade extrema. Causa trauma incurável na vaca e no bezerro. A vaca passa vários dias berrando. Desesperadamente. Ela está na verdade chamando o seu filhote para perto porque sabe que só ela no mundo poderá dar afeto, proteção e alimento a esse ser tão especial que gerou e com tanto amor e alegria carregou no ventre por nove meses. Por causa da lancinante dor da ausência do filho, a vaca também lambe convulsivamente as tábuas da estrebaria, num gesto de profundo desespero para ver se consegue transmitir um pouco de cuidado e o imenso amor que sente pelo rebento. Porque ela sabe que o filhote está passando pelo pior sofrimento que um ser vivo pode sentir: a solidão, a saudade da mãe, a indescritível angústia pela ausência do calor da mãe.
Qualquer pessoa consegue entender a importância da mãe para um bebê humano recém-nascido. Para os bebês bovinos a necessidade da mãe é infinitamente maior, porque nenhum outro ser vivo do mundo, muito menos qualquer tecnologia poderá substituir a mamãe vaca no que se refere aos cuidados biológico-afetivos do terneiro.
Ouvi de um agricultor que os bezerros, depois de separados assim, ficam fechados em “um chiqueiro dentro do galpão por cerca de três meses, e só depois são soltos em um potreiro para engordar”. Fiquei estarrecido com essa atitude tão cruel. Senti que estragou minha semana. Como pode uma pessoa tirar um animalzinho da mãe e ainda aprisioná-lo sem piedade em um lugar sem a luz do sol, sem um solo limpo para pisar, sem um terreno com vegetação para pastar, brincar e correr como fazem todos os filhotes bovinos criados em condições normais!
- O senhor tem mãe viva? – pergunto ao homem. Em voz baixa e com a serenidade de um Promotor experimentado na delicada arte de dialogar objetivando resolver problemas.
- Sim, graças a Deus! – responde meio confuso.
- O senhor já é adulto, pai de família, mas vai sofrer muito quando sua mãe partir – replico no mesmo tom de voz da pergunta. – Imagina se alguém lhe tivesse arrancado a mãe quando o senhor era ainda criança. Imagina então esses bezerrinhos que no primeiro dia de vida foram separados da mãe e ainda trancafiados no galpão escuro sem espaço para correr e pular como os bezerros precisam fazer para viver, sem pasto vivo no chão, sem poder pisar na terra. E sem o afeto da mãe para sempre.
Passo a explicar então que agora no Brasil existe uma lei que reconhece os animais como sujeitos de direitos. Isso significa que todas as pessoas que de qualquer forma lidam com animais são obrigadas a respeitar todos os direitos deles. E cada espécie de animal tem o direito de viver conforme a sua natureza. No caso dos bovinos, a Constituição Federal, as leis e normas administrativas estabelecem condições para poder ter boi, vaca ou bezerros na propriedade. Bovinos não podem viver atados com cordas. Bovinos precisam de espaço de terra para caminhar à vontade. Podem receber comida no cocho, mas precisam também de pasto para arrancar do chão com a própria boca, porque isso faz parte da sua natureza. Nesse espaço onde vivem é preciso pegar muito sol e ter sombra à vontade para que os próprios animais escolham a hora de estar no sol ou na sombra.
Quando ia explicar que deixar os terneiros confinados daquele jeito é crime e que por isso ele poderia ser preso e perder os animais, o homem se adiantou:
- Fica tranquilo, doutor, vou chegar em casa e resolver já esse problema. Na pastagem onde pega bastante sol e tem árvores, vou construir uma cerca, uma coberta e colocar água encanada. Assim como o senhor explicou é bem fácil de fazer. Depois vou lhe mandar as fotos. E vou lhe convidar para ver se ficou tudo certo. Não quero mais fazer maldade e nem ser processado.
Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)